domingo, 2 de janeiro de 2011

Como morrer?

Ela foi ao hospital com a amiga. Foi só para acompanhar. Ela realmente era uma grande amiga. Morria de medo de hospital. Ambas. A amiga era casada. Parecia feliz. Tinha até filhos. Filhos de sangue. Quase ninguém acreditava, mas eram dela sim. A vida da amiga era uma vida comum, simples... sinceramente, era uma vida bem medíocre mesmo. A própria amiga confessou-lhe isso várias vezes. Mesmo com tanto para se fazer e pensar ainda havia espaço para a solidão. Pelo menos era isso que a amiga achava que sentia quando o coração apertava e o ar lhe faltava. No meio de tantas panelas, temperos, roupas, cômodos, casas, ruas, carros, prédios, lojas.. tudo tudo parecia tão sem cor... Certa vez a amiga e ela, sim, ambas, foram até ao oftalmologista. Compraram óculos da moda e tudo, mas não puderam usar por muito tempo, pois se sentiam tontas, tinham até vertigem. Mesmo através das grossas lentes tudo ainda continuava sem cor. Ela não disse nada sobre isso para a amiga. Nem a amiga disse nada para ela. Não era preciso dizer. Pois mesmo em silêncio elas sabiam.
E foi lá no hospital que as coisas começaram a ser sentidas por um outro ponte de vista. A amiga deitada na maca sentiu seu fígado inchar, inchar, inchar... E foi numa fisgada profunda, que lhe tocou a alma, que ela soltou:
- Aí doutor, me dá uma dica para eu morrer logo! Gritou ela com lágrimas nos olhos. A frase ecoou pelos corredores do hospital. Silêncio total. Todos entenderam o suplício!
A dor continuou muito forte e persistiu por toda à noite. E houve o amanhecer, o breve amanhecer. Como jamais visto antes. E olha que estava sem óculos; ambas. Cansada e já sem fôlego, disse a amiga para ela:
- Diz lá em casa que eu os amo... Em mim só há espaço... Deixei o carnê da prestação da máquina de lavar debaixo da santinha no altar... não tenho mais tempo! Acho que eu vou... aí! (...) E nos primeiros raios do sol a amiga melhorou completamente como que por um milagre. Levantou-se e até andou. Ela achou que era apenas uma melhora, daquelas que dizem que dá no paciente antes de morrer definitivamente. Sim, antes de morrer definitivamente. Mas a melhora persistiu até o meio dia. Foi liberada e tudo mais, mas antes fez questão de filar o rango esverdeado do hospital. De barriga cheia e sem dor no fígado voltou para casa, ambas.
A amiga disse para ela que viu naquelas horas de terror a lança pontiaguda da morte no seu fígado. E foi assim que a amiga encheu-se de cor, perfume e brilho. A partir daí Ela não reconheceu mais a amiga e não conversaram mais como antes. E o silêncio? Agora era apenas silêncio. Apenas para uma. E Ela? Ela espera terrivelmente por uma dica para morrer.

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